sábado, 13 de outubro de 2007

Não é comigo!

Estou voltando pra casa após mais um dia corrido entre trabalho e faculdade, um transeunte qualquer vem em sentido contrário, bem vestido e só, se aproxima mais e mais. Faltando alguns metros para cruzar a minha frente, faz um gesto brusco de quem vai sacar algo da cintura e saca, meu coração quase sai pela boca, porém dos males o menor. Ufa! Era só seu celular que vibrava!


Tenho medo de andar na rua, tenho medo do cidadão que se aproxima no sentido contrário. Tenho medo do carro que passa lento ao meu lado na rua sem cruzamentos, onde não tenho como me esquivar, pois não sei que tipo de ser humano está ali dentro. Qual sua estrutura familiar, em que estão baseados os seus valores e até que ponto o dia a dia desvirtuou o seu caráter?
O motivo do medo ao qual me refiro tem a mesma origem dos medos de tantos outros Brasileiros, que saem de casa pela manhã e não sabem se voltarão caminhando ou na horizontal embalado em uma caixa de madeira.

Para nós civis o perigo é velado, por vezes passamos por ele e nem sabemos que ele passa por nós, mas vivemos a paranóia por mais indireta que ela possa ser. Já para policiais, ele é evidente e seu revide é uma questão de tempo. Ser guardião da paz coletiva é mesmo muito difícil diante do cenário em que vivemos. Atuando em uma profissão sem valor, diretamente exposta ao perigo constante, tendo como maior obrigação, reconhecer esse perigo e interagir com ele.

É impressionante como as pessoas estão passivas ao caos reinante e se esquecem que, dentro da farda existe um cidadão exposto a conflitos, colocando sua vida na mira de outros cidadãos também agredidos por um sistema mesquinho. Quando olhamos o outro como uma ameaça, anula-se qualquer possibilidade de identificação e este passa a ser apenas um inimigo, nada mais que isso.

A partir deste momento a palavra nação perde seu significado, entra em prática a política do “não é comigo”, já muito conhecida, afinal presenciamos este comportamento todos os dias, veja o lixo nas calçadas, a fila do ônibus, no elevador ou nas pessoas que se pisoteiam no entra e sai do metrô em horário de pico. Na indiferença de uma elite blindada, vigiada por câmeras de vídeo, tentando se excluir do mundo real vivendo a sombra de bucólicas árvores em condomínios artificialmente projetados para ser a materialização de um universo perfeito, um oásis de satisfação.

Diante desta falta de indignação, sempre me vem à mente um personagem folclórico do carnaval de Pernambuco, “O boneco de Olinda”. Misturado ao povo, grande em seu simbolismo, porém oco, comandado por outro, braços soltos, batendo suas mãos enormes e desgovernadas nas cabeças daqueles que estão abaixo de sua grandeza, com olhar perdido, indiferente, sem sentido e vazio.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ótima alegoria cara.

Bom humor e acidez. Dedo na ferida. Excelente, meu velho!

Aquele abraço, mestre!

Anônimo disse...

Doni,

Vc pode ter sido o último do nosso grupo a postar aqui no blog, mas com certeza é um dos melhores textos neste quase 1 mês de vida do Enfoca.

Parabéns!

Renan